Em agosto de 2021, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) divulgou o Primeiro Relatório do sexto ciclo de avaliação, o WGI-AR6, relativo ao Grupo de Trabalho 1, abordando as bases físicas das mudanças climáticas. No final de fevereiro deste ano, foi publicado o Segundo Relatório, do Grupo de Trabalho 2 (WGII-AR6), sobre os impactos, adaptação e vulnerabilidade.

Mas o que é o IPCC?

O IPCC é um painel intergovernamental da ONU. Ele é a principal referência sobre mudanças climáticas porque reúne os mais conceituados pesquisadores do mundo para fazer periodicamente o levantamento científico sobre o tema.  O Segundo Relatório contou com a participação de 270 autores de 67 países, dos quais 5 são brasileiros. Além disso, foram mais de 675 autores contribuidores, mais de 34 mil artigos e mais de 62 mil revisões e comentários. O relatório identifica também lacunas na ciência e traz diversas inovações. O IPCC é apresentado em diferentes versões, que vai de um relatório extremamente técnico com milhares de páginas a uma versão enxuta para tomadores de decisão – esse último é aprovado pela plenária do IPCC, que inclui representantes governamentais.

O novo relatório, divulgado no final de fevereiro, identifica as oportunidades para redução de riscos, construção de estratégias e resiliência para o futuro.  Ele comprova que muitos dos efeitos e impactos das mudanças climáticas já estão sendo sentidos hoje, não sendo mais projeções distantes.

Entenda os conceitos impacto, vulnerabilidade e adaptação

Segundo o Glossário do IPCC, impactos são as consequências de quando um risco se realiza. São resultados da interação de perigos relacionados ao clima, exposição e vulnerabilidade. Quanto maior a exposição ou vulnerabilidade ao risco, maiores serão as consequências do evento perigoso.

Já a vulnerabilidade está associada a uma propensão a ser afetado negativamente, e considera suscetibilidade ou falta de capacidade para lidar com um evento ou de se adaptar. Depende de aspectos e contextos locais e relaciona-se com a trajetória histórica de desenvolvimento dos países e regiões. Comunidades indígenas, quilombolas, periféricas, crianças, mulheres e idosos são grupos mais suscetíveis. Países com legado de colonização também compõem o grupo dos vulneráveis.

Adaptação é o processo de se ajustar ou adequar a algo, mantendo sua integridade inicial ou transformando radicalmente um sistema socioecológico. Medidas de adaptação podem reduzir a vulnerabilidade de uma região ou comunidade e construir resiliência, mas são limitadas, ou seja, existem impactos já irreversíveis aos quais não é possível se adequar.

Quais as principais mensagens do Segundo Relatório?

Os impactos das mudanças climáticas já são sentidos. Já ocorrem mudanças estruturais sobre ecossistemas, migração de espécies para altitudes mais elevadas ou em direção aos polos por conta do aquecimento, mudanças nos períodos reprodutivos e migratórios, escassez de água, produtividade agropecuária, impactos sobre saúde, ambientes urbanos e moradia. Tudo isso afeta diretamente as economias, principalmente os grupos mais vulneráveis.

As desigualdades, conflitos e desafios de desenvolvimento intensificam a vulnerabilidade ao clima. Nos países classificados como “muito vulneráveis”, a mortalidade por enchentes, secas e calor extremo é 15 vezes maior que em países menos vulneráveis. Chuvas extremas em Minas Gerais e na Bahia, assim como os desastres na região serrana do Rio de Janeiro são decorrentes da intensificação dos eventos extremos, seja no aumento de frequência quanto de magnitude, já apontados pelo Relatório do Grupo I.

Para o Brasil, espera-se a intensificação de secas na região Nordeste, com possível aumento da área impactada, além de perdas agrícolas por conta de extremos de calor e de chuva, perdas de biodiversidade e aumento do nível do mar, chuvas e secas impactando especialmente as cidades. Eventos de escassez impactam a disponibilidade hídrica e contribuem para intensificação dos conflitos pelo uso da água, o que afeta também o setor elétrico brasileiro.

A maioria dos ecossistemas já sofre com desmatamento, sobre-exploração de espécies e poluição, o que aumenta sua vulnerabilidade, assim como das comunidades que ali vivem ou que deles se sustentam. O relatório traz inovações, como os temas justiça climática, limites adaptativos e pontos de inflexões sociais. De forma inédita, o documento incorpora conhecimento local e indígena que, diferentes da ciência tradicional, costuma ser transferido oralmente. O IPCC assume e verifica cientificamente que conhecimento, práticas culturais e tradições fornecem informação e solução precisas sobre mudanças climáticas.

O que devemos fazer?

O Brasil é um país que sofre muito com eventos climáticos extremos, especialmente os hidrológicos, associados a excesso de chuva ou falta de água, que representaram juntos 99% decretos de calamidade pública ou situação de emergência registrados entre 2012 e 2018. O Nordeste é a região que mais sofreu com esse tipo de evento, com 53% dos casos de seca e maior parte dos prejuízos econômicos do país.

Assim, medidas de adaptação, construção de resiliência e redução de vulnerabilidade são essenciais para o Brasil. Existem muitas iniciativas descentralizadas e em pequena escala, mas é necessário que sejam realizadas e construídas como estratégias de política e gestão pública. A Secretaria Nacional de Proteção e Defesa aponta que, entre 2010 e 2015, R$ 5 bilhões foram destinados às respostas a desastres, enquanto somente 10% disso foram investidos em prevenção.

A resposta ao evento perigoso é importante, mas medidas de preparação, prevenção e proteção, realizadas através de capacitação, sistemas de alarme, monitoramento e reporte, devem ocorrer antes do desastre, de modo a reduzir a vulnerabilidade da população. Durante o evento, ocorre a resposta à crise, com ações emergenciais e, após o evento, deve ocorrer a mitigação (reparação) dos danos. Assim, é possível se preparar para os impactos, diferentes possibilidades de transformação às quais o meio está sujeito.

O novo relatório também adverte para o risco da má-adaptação (maladaptation), que é a insuficiência ou inadequação de medidas de adaptação, que resultam em lock-ins¹ e situações desastrosas tanto do ponto de vista financeiro como de enfrentamento aos impactos das mudanças climáticas.

As medidas de adaptação adequadas devem levar em consideração os impactos presentes e futuros das mudanças climáticas para o investimento de capital, construção de infraestruturas e implementação de ações, de modo que elas não se tornem dependentes do clima nem aumentem a vulnerabilidade local ou de outro setor.

A má-adaptação é, geralmente, uma consequência não intencional que deve ser evitada com planejamento flexível, integrado, multi-setorial, inclusivo e de longo prazo. Nas palavras do texto: “existe uma janela cada vez mais estreita que possibilita o desenvolvimento resiliente ao clima”. Soluções baseadas na natureza e em ecossistemas, programas sociais, tecnologia e infraestrutura tem papel fundamental para promoção de segurança alimentar, hídrica, econômica e social, contribuindo para adaptação e resiliência das comunidades e evitando medidas mal adaptativas.

A figura acima demonstra a janela estreita de oportunidade para alcançarmos um futuro resiliente do ponto de vista climático:

  • As engrenagens da coluna da esquerda representam as escolhas de adaptação, mitigação e desenvolvimento social que possibilitam ações de maior (verde) ou menor (vermelho) resiliência climática.
  • No centro da figura estão ilustradas as trajetórias de desenvolvimento resultantes dessas escolhas.
  • Em pontilhado são as oportunidades perdidas de uma trajetória mais ambiciosa em relação às mudanças climáticas.
  • Em verde, trajetórias mais aderentes ao cenário de 1,5°C de aquecimento médio, enquanto em vermelho, trajetórias para cenários de maior aquecimento.
  • O ano de 2030 é a meta de atingimento dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU (SDG em inglês).
  • Os “raios” indicam momentos de ruptura climática ou não climática, como por exemplo a pandemia do COVID 19, chuvas intensas ou secas extremas.
  • À direita estão as ações e resultados que caracterizam as trajetórias de desenvolvimento. Quanto mais próxima do verde, maior a resiliência climática e em oposição, quanto mais próxima do vermelho menor é a resiliência.

O Terceiro Relatório do IPCC, do Grupo de Trabalho III (WGIII-AR6), sobre mitigação, está previsto para maio de 2022.

¹Lock in é a expressão em inglês para “aprisionamento tecnológico”, ou seja, quanto mais uma tecnologia é adotada, mais difícil é de substituí-la, porque a sua estrutura vai se consolidando e se tornando difícil de romper.