Neste mês, o Grupo de Trabalho III do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU aprovou seu relatório referente às medidas de mitigação necessárias para o enfrentamento às mudanças climáticas (WGIII AR6). A publicação finaliza o longo ciclo de avaliação que se iniciou em 2014 e contou com 278 autores e 354 colaboradores de 65 países, com 10 participantes brasileiros. O documento compila mais de 18 mil artigos científicos e teve quase 60 mil comentários para aprovação.

O que significa mitigação?

Mitigar mudanças climáticas significa reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE) ou aumentar sumidouros de GEE. Sumidouros são reservatórios (naturais ou não) que absorvem e armazenam gases de efeito estufa. São exemplos não só oceanos e florestas, através da atividade fotossintética das algas e árvores, como também reservatórios artificiais oriundos de mecanismos tecnológicos de captura de carbono. Vale lembrar que, quando se fala em emissões líquidas, está se falando justamente do balanço entre emissões e sumidouros.

Vamos conseguir alcançar as metas do Acordo de Paris?

Desde o último ciclo do IPCC (AR5), as emissões de GEE se elevaram. O uso de combustíveis fósseis não é o único vilão: o desmatamento, as emissões de metano e óxido nitroso decorrentes dos setores agropecuário, industrial e de produção de fertilizantes também contribuíram bastante. Uma das principais sinalizações desse relatório é que o pico das emissões precisa ocorrer até 2025, de modo que haja uma queda considerável (43% em relação aos níveis de 2019) nas emissões dos anos seguintes. Dessa forma, ainda seria possível chegar ao final do século mantendo o aumento de temperatura média em 1,5ºC. É a primeira vez que um relatório do IPCC aponta uma situação tão urgente em que a janela de oportunidade não permite que as ações sejam empurradas para os próximos anos. Assim, ações precisam ser realizadas por tomadores de decisão e governos vigentes.

O Relatório aponta também que, mesmo que todas as NDCs sejam cumpridas, incluindo os documentos atualizados ou aprimorados, as metas não são ambiciosas o suficiente para contenção da crise climática. Aumentar o uso de energias limpas e renováveis, investimentos em tecnologia e pesquisa para eficiência energética e descarbonização são fundamentais, contudo, também não serão suficientes. Só será possível manter o aumento de temperatura em 1,5ºC se houver remoção de carbono da atmosfera. Algumas formas:

  • Através da manutenção de sumidouros naturais, seja através do combate ao desmatamento ou com o replantio de florestas.
  • Outra opção é com tecnologias de captura e armazenamento de carbono, que ainda não possuem preços competitivos.

Um fator decisivo nesse processo são as mudanças comportamentais, ou seja, atuação pelo lado da demanda: mudanças nos sistemas alimentares e de locomoção podem impactar positivamente as emissões. É importante, então, migrarmos para dietas mais sustentáveis, repensando o consumo de carne e reduzindo os desperdícios. As políticas públicas voltadas para incentivos a caminhadas, ciclovias e transporte público acessível e de qualidade também podem contribuir consideravelmente com as metas climáticas.

E como ficam os combustíveis fósseis?

O IPCC afirma que projeções futuras de aproveitamento de recursos energéticos fósseis existentes ou planejados excedem o orçamento de carbono que pode ser emitido até metade do século, ou seja, não há margem para novos empreendimentos fósseis.

Explicando: orçamento de carbono é a quantidade de CO2 que pode ser lançada na atmosfera sem que excedamos a meta de 1,5ºC). Vale lembrar que a temperatura média está associada à concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera.

Existem alguns setores de difícil descarbonização, que podem utilizar estrategicamente tecnologias ainda caras como captura de carbono e hidrogênio ou até mesmo compensações. A substituição de combustíveis fósseis por eletricidade (gerada por energias renováveis) deve ser acelerada e priorizada e biocombustíveis têm papel importante na mitigação também. Vale ressaltar que a mineração necessária para a produção de baterias, que darão suporte à eletrificação, possui diversas controvérsias socioambientais que precisam ser cuidadosamente gerenciadas.

Precisaremos de novos investimentos?

O Relatório indica que os investimentos em mitigação precisam aumentar entre 3 e 6 vezes. Países em desenvolvimento precisam também de financiamentos para infraestrutura, visto que a eletrificação pode gerar impactos nas instalações existentes e aumentar consideravelmente a demanda por energia elétrica.

Além disso, o setor de uso do solo é uma área com custos relativamente baixos de mitigação e impactos, mas requer canalização de investimentos para conservação e reflorestamento, especialmente em países em desenvolvimento. O setor apresenta sinergias com toda a cadeia produtiva, impactando as seguranças hídrica, alimentar e energética também. O documento também ressalta que grande parte dos territórios preservados estão sob gestão de comunidades indígenas e tradicionais.

Quais caminhos podemos seguir?

O Relatório compila e traduz diversos cenários da literatura científica em 8 categorias ilustrativas:

  • Uma delas é o resultado das “políticas correntes”, ou seja, sem grandes mudanças, que levam a 4°C ao final do período de análise.
  • Outra retrata um cenário de “ações moderadas”, em que os compromissos da NDCs são respeitados, chegando ao final do século com 3°C.
  • Outros cenários abordam outras histórias possíveis de futuro, em que se utiliza mecanismos de emissões negativas, ou maior foco em renováveis, alteração de padrões de consumo e dieta e investimento pesado em eficiência energética.

Dessa forma, o relatório mostra que muitas combinações de ações e tecnologias são possíveis para atingirmos esse objetivo. Para o Brasil, que tem um perfil de emissões muito particular – grande desmatamento, agropecuária relevante, matriz energética de baixo carbono e muito diversa – essa reflexão é fundamental para conduzirmos o processo de desenvolvimento de baixo carbono de forma dinâmica, sustentável e justa. A principal mensagem é clara: precisamos começar a agir urgentemente. Não há mais tempo para medidas tímidas.

Em agosto de 2021 e fevereiro de 2022 foram publicados, respectivamente, os relatórios do Grupo I (sobre as questões físicas das mudanças climáticas) e do Grupo II (sobre impactos, adaptação e vulnerabilidade).

Fontes:

Programa FAPESP Mudanças Climáticas

WRI Brasil

Capital Reset

Clima Info