O Brasil possui diversas iniciativas nacionais, estaduais e municipais de combate às mudanças climáticas. Historicamente, sediou eventos importantes como a Conferência das Nações Unidas para Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, a Eco 92 – que também ficou conhecida como Rio 92 por ter ocorrido no Rio de Janeiro. Em 2005, aderiu ao Protocolo de Quioto e, em 2016, foi um dos países com mais projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), o crédito de carbono da ONU para as metas do Protocolo de Quioto, atrás apenas da China e da Índia. Em 2012, também no Rio de Janeiro, ocorreu a Rio +20, em referência à Eco 92. Durante as discussões da COP 21, o Brasil também desempenhou um papel de protagonista nas negociações do Acordo de Paris. Contudo, o que está acontecendo no contexto brasileiro em relação aos mercados de carbono? Confira!

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A Política Nacional sobre Mudança do Clima e o MBRE

Como desdobramento do Protocolo de Quioto, o Brasil instituiu em 2009 sua Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), buscando alinhar desenvolvimento econômico-social com proteção climática e redução de gases de efeito estufa (GEE). A PNMC prevê planos de ação setoriais, além de controle de desmatamento e queimadas na Amazônia e Cerrado. O documento ressalta a importância da articulação das esferas federal, estadual e municipal com demais políticas públicas. Outras legislações relevantes para a instituição de um Mercado de Carbono Brasileiro são o Novo Código Florestal, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) e o Fundo Amazônia.

Um dos instrumentos dessa Política Nacional sobre Mudança do Clima é o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), cuja regulamentação está hoje em trâmite na Câmara dos Deputados (PL 528/2021). O presidente da Câmara, Arthur Lira, deseja votar em plenário até a realização da 26ª Conferência das Partes, a ser realizada em novembro deste ano, em Glasgow, com o objetivo de regulamentar o Artigo 6 do Acordo de Paris.

O projeto original pretende regular as transações de crédito de carbono no país, definindo regras para o mercado voluntário de créditos de carbono no Brasil. Não propõe setores regulados nem uma precificação sobre o carbono do tipo cap-and-trade ou taxação sobre carbono, mas prevê regras de conversão das emissões evitadas ou removidas em títulos (créditos), que podem ser negociados com governos, empresas e pessoas físicas que têm metas obrigatórias.

O PL define que são elegíveis ao MBRE os créditos originados no Brasil, verificados e emitidos conforme os padrões previstos na lei, que terão critérios compatíveis e comparáveis às melhores práticas internacionais. Regulamenta pontos importantes como: natureza jurídica, registro, certificação e contabilização dos créditos. Entretanto, existe um substitutivo que propõe um Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) ao invés do MBRE.

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O Acordo de Paris e a atualização da NDC Brasileira 

Como parte do Acordo de Paris, os países interessados em participar do acordo global apresentaram às Nações Unidas suas Contribuições Nacionalmente Determinadas Pretendidas (iNDC, em inglês). Em 2016, com a ratificação do acordo, as iNDCs se tornaram NDCs, sigla em inglês para Contribuições Nacionalmente Determinadas, documentos com planos de metas e ações para mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Como medida de mitigação, a meta de contribuição brasileira foi definida em 37% de redução de GEE até 2025, com contribuição indicativa subsequente de 43% de redução para 2030, ambas com abrangência nacional e ano base 2005. O documento também conta com medidas setoriais adicionais para os setores energético, industrial, agrícola, florestal, mudança do uso do solo e transporte.

Em dezembro de 2020, o Acordo de Paris completou 5 anos, e os países enviaram atualizações de suas NDCs, com metas mais ambiciosas. O Brasil, 6º maior emissor de GEE do planeta, apresentou uma nova NDC com metas numericamente iguais às da primeira. Entretanto, a metodologia de cálculo do inventário nacional foi atualizada e aprimorada, e as emissões de 2005 foram na realidade maiores que as calculadas à época da primeira NDC, tornando as metas atuais do Brasil menos ambiciosas e permitindo maiores emissões.

O documento não apresenta indicativos de medidas setoriais, estratégias de adaptação ou metas de combate ao desmatamento ilegal. Entretanto, cita o Floresta + Carbono, em referência aos mercados de carbono voluntários, e anuncia neutralidade climática em 2060, a depender do funcionamento dos mecanismos definidos pelo Acordo de Paris e condicionada a financiamentos internacionais.

O que é o Floresta + Carbono?

O programa Floresta + Carbono é uma modalidade do Floresta +, do Governo Federal, que prevê o pagamento por serviços ambientais em todos os biomas do país. Seu objetivo é gerar créditos de carbono através da conservação e recuperação de florestas nativas. É um programa voluntário em que as partes envolvidas possuem autonomia para negociar os créditos, que não terão relação com as metas de redução de emissões do Acordo de Paris. O programa pretende fomentar o Mercado Voluntário de Floresta Nativa e modelos de gestão sustentável de florestas, principalmente na Amazônia.  Detentor da maior floresta tropical do mundo, o Brasil possui um enorme potencial de gerador de créditos de carbono florestais, que são créditos de maior qualidade, maior permanência e co-benefícios, tais como preservação da biodiversidade, geração de emprego, proteção dos recursos hídricos.

Mas existe Mercado Regulado de Carbono no Brasil?

No Brasil ainda não foi estabelecido um mercado do tipo “sistema de comércio de emissões” (ETS cap and trade). Contudo, há uma proposta resultado do Projeto PMR-Brasil, uma parceria entre Ministério da Fazenda e Banco Mundial. O PMR é o Partnership for Market Readiness, um fórum coletivo do Banco Mundial para promover inovação, ações e fundos para mitigação e adaptação em mudanças climáticas.

O Relatório Síntese do projeto foi publicado ao final de 2020, após 4 anos de estudo com mais de 80 especialistas, membros da academia e sociedade civil. Resultou em uma proposta de ETS do tipo cap-and-trade com utilização de offsets (créditos de carbono), que, durante as simulações, desempenharam um papel importante de regulador de preços e viabilidade competitiva do mercado. Ressalta-se a importância de uma implementação gradual do instrumento. Dentre os setores analisados, destacam-se: energia elétrica; combustíveis; indústria química, papel e celulose, siderurgia, alumínio, cimento, cal, vidro, alimentos e bebidas, têxtil, mineração e cerâmica; florestas; e agropecuária (pecuária de corte).

Mesmo assim, pode-se dizer que existe uma espécie de mercado regulado no país: o RenovaBio, decorrente da Política Nacional de Biocombustíveis (Lei 13.576/2017). O RenovaBio objetiva reduzir as emissões de gases de efeito estufa no setor de distribuição de combustíveis fósseis, fomentando projetos de eficiência energética na produção, comercialização e uso de biocombustíveis. O programa estabelece metas nacionais de redução através de resoluções do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), e metas individuais para os distribuidores de combustíveis através da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP). As metas são atingidas através da compra de Créditos de Descarbonização (CBio), emitidos por produtores certificados.

O processo de certificação da produção de biocombustível é desempenhado por firmas autorizadas pela ANP e cada produtor ou importador de biocombustível recebe uma Nota de Eficiência Energético-Ambiental, um valor inversamente proporcional à intensidade de carbono do biocombustível produzido, que reflete o quanto de emissões de CO2e foi mitigado. A certificação também leva em conta a origem da biomassa energética. Assim, produtores e importadores recebem um Certificado de Produção Eficiente, válido por três anos. Uma vez certificados, poderão gerar lastros para emissão primária de Créditos de Descarbonização (CBios) (Resolução ANP 802/2019). Por fim, distribuidoras de combustíveis deverão demonstrar o cumprimento de suas metas individuais através da compra de CBios, que são ativos financeiros negociáveis em bolsa.