Escrito por Mariana Nunes
Os compromissos de combate às mudanças climáticas trazem consigo diversos desafios setoriais e transversais. No mundo, o setor energético é responsável por cerca de 73% das emissões de gases de efeito estufa (GEE). No Brasil, energia é o segundo maior emissor do país, correspondendo a 18% das emissões totais, atrás apenas da mudança de uso do solo, que representa quase metade das emissões nacionais. Energia se subdivide em transporte (47%), eletricidade (18%), indústria (14%), produção de combustíveis (10%), residências (6%), agropecuária (5%) e outros.
No setor elétrico e no de óleo e gás, é comum simplificarmos a lógica da transição energética ao aumento da capacidade instalada das fontes eólica e solar. Contudo, para garantir a segurança do suprimento e planejar um mundo de baixo carbono com substituição considerável dos combustíveis fósseis, é preciso superar ainda muitos obstáculos tecnológicos, ambientais, sociais e regulatórios, pois os desafios vão além das emissões de GEE e abrangem diversas óticas.
A demanda por materiais críticos para a transição
Nesse sentido, um aspecto pouco discutido é a demanda por materiais críticos para a transição energética. Os materiais críticos são aqueles considerados estratégicos para diversos setores, principalmente ligados a tecnologia, informação, indústria e segurança, mas cuja oferta apresenta riscos de interrupção ou escassez, pois podem ter extração e processamento concentrados em determinada região ou país.
Seus processos de mineração são energointensivos e podem estar associados a externalidades sociais e ambientais muito negativas, especialmente quando as reservas se encontram em áreas protegidas, territórios indígenas ou países com frágil regulamentação do trabalho. Costumam ser elementos cuja produção possui volumes menores, mas a taxa de consumo é crescente. Por isso, podem ter considerável volatilidade de preços. Possuem também baixa taxa de reciclagem e poucos ou nenhum substituto disponível. No passado, foram muito associados à indústria bélica e hoje podem ser vistos como fundamentais para o desenvolvimento de tecnologia de alta performance e respaldo do crescimento de fontes renováveis na matriz mundial.
A Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) aponta que um carro elétrico requer em torno de 6 vezes mais minerais que um carro convencional, enquanto uma planta eólica demanda cerca de 9 vezes mais minerais que uma termelétrica a gás natural. O mercado de energia está se tornando um dos maiores consumidores de metais: em 2010, o setor representava uma pequena parcela deste mercado e estima-se que, em duas décadas, 40% da demanda por cobre e metais de terras raras, 60 a 70% da demanda por níquel e cobalto e cerca de 90% da demanda por lítio pertença ao setor de energia para que as metas do Acordo de Paris sejam alcançadas. Baterias longevas e de alta densidade energética necessitam de cádmio, lítio, cobalto, manganês e grafite, enquanto turbinas eólicas e veículos elétricos requerem metais de terras raras. De um modo geral, tecnologias associadas a eletricidade e redes elétricas serão grandes consumidoras de alumínio e cobre. Painéis fotovoltaicos necessitam de cádmio, cobre, silício e telúrio e lâmpadas fluorescentes requerem európio. Assim, tecnologias limpas exigem muito mais minério que tecnologias fósseis.
Esses materiais serão fundamentais para o crescimento da frota de veículos elétricos, desenvolvimento de redes inteligentes, produção de painéis fotovoltaicos, evolução das linhas de transmissão, melhora na eficiência energética, inovação disruptiva, turbinas eólicas, baterias para armazenamento de grande porte ou carros elétricos, além outros muitos elementos fundamentais para a descarbonização, descentralização e digitalização do setor energético.
Substituir os combustíveis fósseis não resolve todas as questões do planeta: é preciso direcionar esforços para o aproveitamento eficiente desses materiais, com desenvolvimento de tecnologias de reciclagem e recuperação desses recursos no fim da vida útil dos equipamentos. Serão necessárias novas relações geopolíticas e maestria na gestão e mitigação dos impactos ambientais e sociais decorrentes da sua extração.