Escrito por João Lucas Vojta

Criado em 2021 para atender aos novos requisitos de potência do sistema elétrico brasileiro, o leilão de reserva de capacidade na forma de potência teve sua segunda edição (LRCAP 2025) inicialmente prevista para junho deste ano. No entanto, o certame foi recentemente cancelado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), embora haja expectativa de que ocorra em 2025. O primeiro leilão, realizado em 2021, contratou 4,6 GW de capacidade em projetos termelétricos, sendo 1,8 GW de projetos novos e 2,8 GW de projetos existentes.

O novo leilão, caso seja retomado, deverá contratar termelétricas novas, termelétricas existentes (atualmente descontratadas) e ampliações de hidrelétricas. Todas as térmicas deverão ser 100% flexíveis. Chama atenção a variedade de produtos que seriam disputados, entre eles:

AnoTipo de usinaProduto a ser contratado/ampliadoInício de suprimento
2025TermoelétricaPotência Termoelétrica 20252025
2026TermoelétricaPotência Termoelétrica 20262026
2027TermoelétricaPotência Termoelétrica 20272027
2028TermoelétricaPotência Termoelétrica 2028A (exist.)2028
2028TermoelétricaPotência Termoelétrica 2028B (nova)2028
2029TermoelétricaPotência Termoelétrica 2029A (exist.)2029
2029TermoelétricaPotência Termoelétrica 2029B (exist.)2029
2030TermoelétricaPotência Termoelétrica 2030A (exist.)2030
2030TermoelétricaPotência Termoelétrica 2030B (exist.)2030
2030HidroelétricaPotência Hidroelétrica 3030 (ampliação)2030

Diferente dos tradicionais leilões de energia nova, realizados desde meados dos anos 2000 e principal forma de contratação no ambiente regulado, o leilão de reserva de capacidade foi criado para enfrentar os novos desafios do sistema elétrico brasileiro, como a necessidade crescente de potência e a estabilização da demanda das distribuidoras.

Desde meados da década de 2010, o Brasil passou por uma forte expansão das fontes renováveis, impulsionada pela evolução tecnológica e pelos incentivos concedidos a geradores e consumidores de energia limpa. Os parques solar e eólico cresceram de forma expressiva: entre 2010 e hoje, a capacidade instalada da fonte solar, somando geração centralizada e distribuída, aumentou em 53 GW, enquanto a eólica cresceu 32 GW. Um exemplo do avanço: em 1º de dezembro de 2024, às 11h, a energia solar respondeu por 37,6% de toda a geração no sistema.

As energias solares e eólicas são não controláveis, ou seja, só há geração quando há sol ou vento, respectivamente. A partir das 18h, quando o sol se põe, a geração solar, que chega a atingir 30GW no horário de pico, cai para 0MW; ao mesmo tempo, o consumo aumenta, criando um horário de ponta no sistema. Tal necessidade de potência é suprida pelas hidroelétricas em grande parte, entretanto, o Leilão busca contratar térmicas para auxiliar as hídricas, que frequentemente enfrentam restrições operativas. Para tal, não há inflexibilidade operativa para as térmicas a serem contratadas no LRCAP 2025, de forma que todas as térmicas deverão ser 100% flexíveis de partida rápida.

Outro objetivo do Leilão de Reserva de Capacidade é lidar com os impactos da abertura do mercado livre sobre a demanda das distribuidoras. Atualmente, a maioria das grandes empresas já migrou para o mercado livre de energia, um cenário bem diferente de 10 anos atrás. Com isso, as distribuidoras deixaram de vender energia para esses consumidores, comprometendo a previsibilidade de sua demanda. Para corrigir essa distorção, os contratos de reserva de capacidade (CRCAP) não são firmados entre geradores e distribuidoras, como ocorria nos contratos de energia tradicionais. Em vez disso, são celebrados entre os geradores e a CCEE, e o custo se torna um encargo compartilhado por todos os consumidores, tanto do mercado cativo quanto do mercado livre. Em termos práticos, no LRCAP contrata-se potência e nos leilões de Energia Nova contrata-se energia.

Estudos realizados pela EPE mostram que a necessidade de potência para o sistema brasileiro será por volta de:

  • 2027: 2GW
  • 2028: 5,5GW
  • 2029: 7,5G
  • 2030: 10GW
  • 2031: 15GW
  • 2032: 20GW

Não se sabe ao certo qual potência de fato será contratada no certame, visto que tal informação é confidencial, tornando-se pública apenas após o fim de todas as rodadas do leilão. A Abraget (Associação Brasileira dos Geradores de Energia) defende uma contratação de, pelo menos, 13 GW. A PSR, em workshop realizado recentemente, afirmou que a demanda pode chegar a até 15GW.

Mesmo com estimativas altas de demanda para contratação de potência, os empreendedores enfrentam grandes desafios. Os principais deles são o fornecimento de gás flexível e a obtenção de máquinas. O gás flexível sempre foi um desafio para o Brasil, que utiliza, em grande parte, o fornecimento de GNL para atender aos despachos flexíveis. O país não tem ainda reservatórios para armazenagem de gás natural e tem um serviço caro de transporte do insumo. O cenário de máquinas também não é animador, a demanda de motores e turbinas de partida rápida cresceu desproporcionalmente nos últimos anos, puxada principalmente pela necessidade de potência e flexibilidade em outros países e por Data Centers. Dessa forma os maiores fabricantes estão com poucos slots em suas fábricas.

Não obstante a complexidade do LRCAP, o mesmo foi alvo de judicialização através de 3 liminares nos meses de março e abril. A primeira delas foi concedida no dia 13 de março, com objetivo de aumentar o teto do custo variável, motivada pelas térmicas existentes de geração a óleo que se cadastraram no certame para participar com biocombustível.

A segunda liminar, elaborada pela ENEVA, solicitou a anulação (ou entrada para consulta pública) do “fator A”, um fator que impacta diretamente na competitividade das térmicas e é formado por parâmetros de flexibilidade como o tempo das rampas de partida e desligamento das usinas.

Por fim, a terceira liminar, cujo pedido foi feito pela Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, teve sua decisão dia 1º de abril e demandou a suspensão do LRCAP até que fosse feita uma consulta pública para o parâmetro de precificação. Nessa liminar, houve o cancelamento de uma das portarias do leilão, que trata sobre a sistemática.

Após as judicializações, o MME publicou, dia 3 de abril, uma portaria cancelando o leilão. Ainda não houve nenhuma publicação oficial do órgão sobre o LRCAP, entretanto o ministro reiterou que uma nova portaria deve ser publicada em breve para consulta pública e que o leilão será realizado ainda em 2025.

Ainda há um grande caminho a ser percorrido e algumas incertezas até a data do certame. A necessidade de contratação de potência é certa, e, quanto maior a demora para tal, maior será o ônus para o Brasil.