O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) divulgou segunda-feira, dia 9 de agosto, um relatório sobre as questões físicas das mudanças climáticas. O documento comprova a responsabilidade da ação antrópica no aumento da temperatura média da Terra, associada à intensificação e aumento de frequência dos eventos extremos. O relatório é a maior e mais atualizada revisão científica sobre o assunto e compila o trabalho de 14 mil artigos. É também um chamado para ação de governos, setor privado e sociedade para a redução de emissões, dada as projeções de aumento de temperatura.
O que é IPCC?
O IPCC foi criado em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). É a maior autoridade climática do mundo, reunindo 195 governos e conceituados pesquisadores de diversos países. O IPCC não conduz pesquisas próprias: seus especialistas avaliam milhares de artigos científicos publicados anualmente e fazem uma compilação para produzir relatórios-resumos com tudo que se sabe sobre mudanças climáticas. Esses documentos são utilizados como base para as negociações climáticas globais e guias para governos e tomadores de decisão.
Relatório de 2021
Em relação aos fenômenos naturais, existia uma ideia de que, na natureza, eventos de enorme magnitude ocorrem com frequências mais baixas, enquanto fenômenos de menor magnitude se repetem com mais frequência. Essa ideia mostra-se cada vez menos verdadeira: chuvas intensas que antes se repetiam a cada 10 ou 20 anos, se mostram mais recorrentes em algumas áreas do planeta. Ondas de calor se superam ano após ano com recordes de temperaturas máximas em regiões naturalmente mais frias, como o Canadá e a Sibéria, causando centenas de mortes. A cada ano, as secas na Califórnia se intensificam mais, comprometendo a segurança de seus cidadãos e desencadeando queimadas extensas. Há poucas semanas, foi possível registrar neve no Sul do Brasil, devido a severas frentes frias.
A previsibilidade dos eventos extremos tornou-se cada vez mais difícil e a crise hidro energética que vivenciamos hoje é um grande exemplo de que o futuro não reflete mais o histórico retratado nas medições passadas. Há alguns anos vivenciamos hidrologias ruins em diversas bacias hidrográficas no Brasil (julho, por exemplo, foi o pior mês desde 1931). Presume-se que essas incertezas estejam diretamente relacionadas às mudanças climáticas.
É diante desse contexto que o IPPC publicou o relatório produto do Grupo de Trabalho I referente ao Sexto Ciclo de Avaliação (AR6 WGI), que tem como título Mudanças Climáticas 2021: a base das ciências físicas. O relatório contou com uma extensa equipe de 234 autores de 66 países e mais de 14 mil trabalhos. É, portanto, a maior e mais atualizada revisão científica sobre o assunto. A equipe do Grupo de Trabalho I contou com 7 brasileiros de renomadas instituições (INPE, UERJ, UFV, USP, CEMADEN), responsáveis por diversos capítulos e revisões.
Principais pontos
Em um Workshop promovido pela Agência FAPESP, Paulo Artaxo, autor líder do capítulo 6 do relatório, Lincoln Alves, responsável pelo Atlas regional do documento, e Thelma Krug, Vice-Presidente do IPCC, chamam atenção para os principais pontos: as mudanças climáticas são inequivocamente decorrentes das ações humanas, tornando eventos extremos cada vez mais intensos e frequentes e afetando todas as regiões do globo. Assim, os esforços globais de mitigação e adaptação são urgentes, visto que uma parcela significativa dessas alterações é irreversível.
Hoje, o aumento médio da temperatura global encontra-se em 1,1°C, mas sobre os continentes é de 1,6°C. O IPCC realiza estudos de cenários de aumento de temperatura média global, que não se distribui uniformemente, por exemplo: no pior cenário, de 4ºC de aumento de temperatura média, estima-se que no Brasil, o aumento seja de 5ºC e no Ártico de 7ºC. Nesses cenários também se prevê uma redução de 10% a 20% de nossas chuvas, tornando o Brasil central e parte leste da Amazônia mais secos, com diminuição significativa da umidade do solo. Essa perspectiva é preocupante, visto que a alteração do regime de chuvas impacta segurança hídrica, energética e alimentar do país. O derretimento do gelo ártico pode alterar correntes marinhas e locais onde há clima ameno graças a correntes quentes, como por exemplo no Mar Mediterrâneo, podem sofrer alterações climáticas drásticas.
O Acordo de Paris, firmado em 2015 no âmbito das Nações Unidas, prevê uma manutenção do aumento da temperatura média global em no máximo 1,5°C. O relatório do IPCC demonstra que a cada 0,5°C de elevação na temperatura média, haverá, com alto grau de confiabilidade, aumento de frequência e intensidade nos extremos de temperatura, de precipitações intensas, de secas agrícolas e ecológicas e haverá maiores chances de eventos extremos combinados.
Fonte: Summary for Policymakers, IPCC, 2021
O relatório conta também com um capítulo Atlas, um aspecto inovador em relação ao relatório anterior: detalhamento regional, levando em conta biomas e impactos locais. É possível acessar uma versão interativa do Atlas.
Essas expectativas impactam diretamente as atividades econômicas dos países, além da biodiversidade local e integridade física das populações. Com o passar dos anos, a população mundial tende a crescer, aumentando as demandas por água, energia e alimento.
É urgente que governos aumentem suas ambições perante os compromissos climáticos do Acordo de Paris e que os esforços globais consigam regulamentar um Mercado Global de Carbono, a maior expectativa da 26ª Conferência das Partes, a ser realizada em novembro deste ano, em Glasgow, no Reino Unido. São necessárias medidas que promovam não só mitigação, mas também adaptação e resiliência, com foco em inovações tecnológicas, eficiência energética e descarbonização. Nesse aspecto, o governo tem um papel fundamental. Apesar do alarme causado pela publicação do relatório, este assunto não é novo. Há mais de 5 décadas se discute mudanças climáticas.