Escrito por João Lucas Vojta
Na mecânica clássica, o conceito de inércia é definido como a resistência de um corpo à mudança de estado (seja movimento ou repouso). Ou seja, um corpo com menor massa entra em movimento mais rapidamente do que um corpo de maior massa (quando aplicada a mesma força). Exemplificando, é mais fácil empurrar uma bicicleta do que um caminhão pois a bicicleta tem uma inércia menor do que o caminhão.
O conceito de inércia não se aplica somente a movimento. Outras grandezas também se comportam de forma análoga. É mais fácil esquentar 1kg de areia do que 1kg de água, pois a água tem uma inércia térmica maior do que a areia. Pode-se falar de inércia do sistema elétrico, que é a capacidade de resistência do sistema às mudanças de carga e demanda, mantendo níveis de tensão e frequência constantes. Logicamente, um sistema com maior inércia é mais confiável do que um sistema com menor inércia. Quando se fala em inércia síncrona, se fala da capacidade que um sistema tem de manter a frequência da rede constante com variações de carga e demanda, no caso do Brasil em 60Hz.
Inércia em Sistemas Elétricos
Em um sistema elétrico confiável, a geração de energia deve ser igual ao consumo de energia em todos os instantes. Se a geração for maior que o consumo, a frequência tende a aumentar, se a geração for menor do que o consumo, a frequência tende a diminuir. Tradicionalmente, os equipamentos que contribuem com a inércia síncrona são geradores síncronos, máquinas que geram energia elétrica por meio de um eixo mecânico (presente em hidrelétricas de grandes reservatórios e térmicas) que gira constantemente em determinada frequência. Pelo fato de o eixo ter massa, ele carrega consigo inércia mecânica. Um desequilíbrio entre a geração e consumo em um sistema resultará imediatamente em uma mudança de velocidade de rotação do gerador síncrono (proporcional a sua massa) e, consequentemente, em uma mudança de frequência na rede. Dessa forma, quanto mais massa rotacional (quanto mais inércia) os geradores síncronos tiverem, menos a velocidade do rotor dos geradores mudará durante um desequilíbrio de potência. Logo, massa rotativa em um sistema elétrico tende a manter o sistema estável após uma perturbação. Mesmo que os geradores síncronos não estejam gerando energia para o sistema, o simples fato de estarem conectados à rede e com rotação constante contribui para a inércia do sistema.
Desafios com Fontes Renováveis
Em fontes de geração não despacháveis, como eólica e solar, não há eixo mecânico acoplado diretamente na conexão com a rede, mas sim conversores eletrônicos. Em uma turbina eólica, o eixo de geração rotaciona conforme o vento, e não constantemente, se fazendo necessário conversores eletrônicos para entregar essa energia ao grid na frequência de 60Hz. Contudo algumas tecnologias podem fazer com que eólicas contribuam para a inércia do sistema, mas de forma reduzida. Dessa forma, fontes renováveis não controláveis não contribuem, em princípio, significativamente para a inércia do sistema. Com um nível crescente de penetração dessas tecnologias, a estabilização está se tornando cada vez mais difícil devido ao nível decrescente de inércia síncrona da rede.
Para conter eventuais desequilíbrios entre geração e consumo de energia, dispositivos de controle podem ser acionados. Existem diversos tipos de dispositivos de controle de frequência, com diferentes tecnologias. Entretanto, tais controles de frequência demoram um tempo para surtirem efeito (segundos, dezenas de segundos ou horas, dependendo do controle) e, em algumas ocasiões, tal tempo é insuficiente para conter um apagão. A inércia síncrona da rede irá dar a resposta inicial do sistema a algum desequilíbrio, ou seja, é a capacidade do sistema de manter a frequência constante nos primeiros instantes (frações de segundo) antes dos dispositivos de controle entrarem em ação. Um estudo da Entso-e (Rede Europeia de Operadores de Sistemas de Transmissão) mostra que variações na frequência do sistema com taxas acima de 1Hz/s pode não ser sustentável em algumas ocasiões.
As gerações solar e eólica estão crescendo de maneira rápida, de forma que, no ano passado, a geração solar no Nordeste superou 50% da demanda em determinado momento e a eólica mais de 100% em outro momento. Para garantir a confiabilidade do sistema algumas ações podem ser necessárias, como: utilização de geradores síncronos conectados à rede gerando pouca ou nenhuma energia; construção de novas usinas que utilizem geradores síncronos; e desenvolvimento e aprimoramento de controles de frequência.