As implicações da mudança climática global são discutidas tanto nos mais altos debates políticos, quanto em conversas informais entre amigos. A urgência do tema já levou à adoção de diferentes medidas estratégicas, com as particularidades de cada região gerando diferentes abordagens em distintos horizontes de tempo. Em meses recentes, foi possível observar importantes avanços no Brasil e no mundo em prol da agenda climática. Aqui, o Sistema Brasileiro de Comercialização de Emissões – SBCE ganha corpo, em votação na Câmara dos Deputados e, em outubro, entrou em vigor o Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (Carbon Border Adjustment Mechanism – CBAM), que também resguarda impacto em nosso país.

O CBAM é uma medida da União Europeia que reforça os objetivos do bloco em estimular crescimento econômico, tendo como meta o desenvolvimento de uma economia de baixo carbono. Um dos principais efeitos que se pretende mitigar é o risco de “fuga de carbono” (carbon leakage), em dois principais sentidos: (i) o potencial movimento de descentralização de indústrias para países com ambiente regulatório menos punitivo às emissões de carbono, além de outros impactos adversos ao meio ambiente; e (ii) o potencial movimento de importação de matéria-prima e bens em substituição à produção doméstica, dados os custos de compliance socioambiental. O objetivo central é estabelecer um sistema que calibre um “preço justo” sobre as emissões de carbono geradas no processo de produção, encorajando o desenvolvimento de setores industriais menos poluentes em países não pertencentes à União Europeia.

A instauração do CBAM está dividida em dois ciclos: fase de transição, que teve início em outubro de 2023 e deve vigorar até o final de 2025 e, após esse prazo, a fase final e definitiva. Nesse primeiro momento os desdobramentos do CBAM são aplicados a seis grupos de bens, que foram caracterizados pela alta intensidade de carbono e pelo alto risco de carbon leakage: cimento, ferro e aço, alumínio, fertilizantes, hidrogênio e energia elétrica. Essa escolha revela um potencial impacto econômico e a necessidade de adequações aos países exportadores dessas commodities, e o Brasil é um deles. A fase de transição é um período de testes e validações e, por mais que existam obrigações por parte dos agentes importadores, não deve haver aplicação de penalidades.

O CBAM recai sobre as entidades da União Europeia que importam os bens citados acima. Não há aplicação de penalidades diretamente sobre os exportadores ou seus bens exportados, mas a expectativa é que o ajuste se dará pela perda de competitividade desses bens diante da concorrência doméstica.

De modo geral, o mecanismo funcionará da seguinte forma: as entidades reguladas pelo CBAM precisam registrar a quantidade de bens importados e suas emissões de carbono incorporadas, de acordo com metodologias que serão testadas e validadas durante a fase de transição. Periodicamente precisarão declará-las em um relatório específico e, após a devida contabilização, os agentes devem adquirir um número de certificados CBAM equivalente ao montante de emissões de gases do efeito estufa (GEE) incorporadas nos bens importados. O preço desses certificados será calculado em função da média semanal dos preços das permissões do sistema de comércio de emissões da União Europeia (EU Emissions Trading System – EU ETS), expresso em euros/tonelada de CO2 emitida.

Desse modo, quanto maior a intensidade de carbono dos bens importados, mais certificados CBAM o agente importador precisará adquirir, aumentando a composição final dos custos desses produtos. Um ponto positivo é que, se os importadores puderem provar, com base em informações verificadas dos produtores, que um “preço do carbono” já foi pago durante a produção do bem importado, o valor correspondente poderá ser deduzido do montante final de certificados CBAM a serem adquiridos.

Essa flexibilidade é muito benéfica para países cujos setores de atividade econômica já desenvolvem algum tipo de precificação, compensação ou redução de carbono na sua cadeia de produção, idealmente desde a obtenção da matéria-prima até a entrega para o cliente final do produto – processo end-to-end. Para manter a competitividade, deve ser essencial e estratégico rastrear e comprovar a pegada de carbono dessas commodities.

O Brasil, comparado a outras grandes exportadores como a China, possui relevante vantagem competitiva em termos de matriz elétrica renovável, sendo a eletricidade componente essencial na cadeia de produção. No entanto, é possível que seja necessário desenvolver outras alavancas de competitividade, com avanços no arcabouço regulatório e nas políticas públicas em prol da agenda climática e do desenvolvimento socioeconômico sustentável. Pode-se citar, mas não se limitando, a substituição energética de combustíveis fósseis por gás natural, biocombustíveis e, eventualmente, hidrogênio verde, além de fomento às tecnologias para captura e armazenamento de carbono. O Sistema Brasileiro Comercialização de Emissões é uma das medidas recentes que reforça as intenções do Brasil em se adequar ao novo paradigma global, em um contexto de mudanças climáticas notável e que, se levado adiante, pode ajudar diversos setores diante do CBAM.