Escrito por João Vitor Faveret

No ano passado, um tema recorrente no setor de energia no Brasil cativou a atenção do mercado, denominado curtailment ou constrained-off. Trata-se do corte da geração de fontes geradoras de energia elétrica centralizada, por ordem do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), visando um conjunto de fatores para garantir o funcionamento adequado do segmento.

As regras para restrição da geração

Após a publicação da REN ANEEL 1.030/2022, estabeleceu-se três condições para restrição da geração de energia elétrica:

  1. Razão de indisponibilidade externa, como gargalos originados pela Rede Básica e Demais Instalações de Transmissão (DITs)
  2. Razão de atendimento a requisitos de confiabilidade elétrica, como a preservação da rede de transmissão;
  3. Razão energética, no cenário de descasamento entre a oferta e demanda de energia elétrica.

Fatores que ampliaram o curtailment em 2024

Ineficiências como o atraso na entrada em operação de linhas de transmissão, a ampliação da matriz de Micro e Minigeração Distribuída (MMGD) e uma operação mais conservadora do ONS, frente o apagão de 15 de agosto de 2023 que afetou 25 dos 26 estados do distrito federal, culminaram na potencialização do curtailment no segundo semestre de 2024.

Mecanismos de ressarcimento

Em 2004 foi publicada a Lei 10.848/2004, responsável por estabelecer mecanismos para o ressarcimento dos geradores penalizados pelo constrained-off. O mecanismo se comporta através do repasse dos prejuízos acarretados aos geradores para os consumidores finais, por meio do Encargo de Serviço do Sistema (ESS). No entanto, a REN ANEEL 1.030/2022, responsável por regulamentar a lei em questão, inseriu exclusivamente a hipótese de reembolso em caso de indisponibilidade externa, tornando as perdas por confiabilidade elétrica e razão energética inteiramente das unidades geradoras, independentemente das razões expostas acima se enquadrarem nas três hipóteses de corte de geração contempladas na resolução.

Impactos financeiros no setor

O impacto financeiro nos ativos de geração eólica (EOL) e solar (UFV), ao sofrerem cortes na produção de energia, se devem primeiramente à suas obrigações contratuais com consumidores/distribuidoras. Tendo em vista uma determinada quantidade de energia vendida, os provedores do produto, ao estarem restritos no período de fornecimento, ficam expostos ao Mercado de Curto Prazo (MCP) para aquisição da energia deficitária, cujo preço é valorado ao PLD (Preço de Liquidação de Diferenças), muito volátil. Além disso, uma redução recorrente na geração pode levar à revisão da Garantia Física dos empreendimentos, que por sua vez determina a quantidade máxima de energia elétrica que um agente pode vender em contratos.

Prejuízos estimados

Devido a distorções no direito de obtenção do ressarcimento, de janeiro a setembro do ano passado, a FSET, consultoria especializada no setor elétrico, calculou que houve um prejuízo estimado no segmento de eólicas na ordem de R$ 710 MM, enquanto para a geração solares de R$ 165 MM. Do mês de abril a setembro o corte nas fontes solar e eólica aumentou de 4,8% e 2,2% para 34,8% e 18,1%, respectivamente. Não obstante, no mês de setembro os cortes por razões não enquadradas nas regras de ressarcimento foram de 30,6% e 16,6%, para UFVs e EOLs, respectivamente, correspondendo a perdas não ressarcidas pelo ESS.

Players do setor afetados

Empresas relevantes no segmento de renováveis foram impactadas pelo fenômeno do curtailment, como a Engie Brasil e o Grupo Equatorial. Em função da maior eolicidade no terceiro trimestre do ano, em conjunto com as frustrações mencionadas acima, a Equatorial registrou cortes de 727,6 GWh no 3T24, o equivalente a 56,6% de sua geração total. Em comparação com o mesmo período de 2023, o nível de restrição incrementou em 265%, comprovando a já esperada tendência de aumento do curtailment. Já a Engie Brasil, também no 3T24, registrou níveis de constrained-off de até 30% na EOL Santo Agostinho, RN, (224,2 MW de capacidade instalada) e 50% na UFV Floresta, BA, (25,2 MW de capacidade instalada). Nos primeiros nove meses do ano anterior, a multinacional excedeu em 1% o nível de corte observado no setor de renováveis, totalizado 8% da produção total.

Além dos prejuízos financeiros acarretados pelos geradores, o setor vem enfrentando níveis significativos de judicialização. Ao final do ano passado, havia pouco mais de 10 ações judiciais, movidas tanto por geradores quanto por associações do setor, contestando os resultados da restrição na operação. A título de exemplo, no dia 04/12/2024, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) impôs uma liminar prevendo o ressarcimento integral dos cortes futuros da geração, através do ESS. No entanto, pouco mais de um mês após a decisão do TRF1, o Supremo Tribunal Judicial (STJ) suspendeu a medida, após a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) ajuizar recurso alegando que o impacto na conta de luz seria excessivamente prejudicial aos consumidores.

Diante do exposto acima, é evidente que o setor de geração de energia elétrica está passando por mudanças estruturais, tendo em vista a inserção massiva de usinais renováveis intermitentes, catalisadas por subsídios e benefícios tributários. Além disso, com a regulação de hoje que não expurga o impacto dos cortes de geração para empreendedores que não possuem responsabilidade perante as limitações exógenas aos seus projetos, a percepção de risco de investidores que vislumbram uma transição para uma matriz elétrica limpa se deteriora. Contudo, a viabilidade econômica dos projetos fica ameaçada perante a crise do curtailment e um arcabouço regulatório fragilizado, fora o risco de novas judicializações no setor.