Escrito por Mariana Nunes

O período úmido está chegando, mas diversas cidades do Brasil central e do Nordeste sofreram com mais de 150 dias sem chuvas. Este período de estiagem foi um dos mais secos da história, definido pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) como um dos mais longos dos últimos 70 anos, afetando a disponibilidade hídrica para geração hidrelétrica e recuperação dos reservatórios. Além disso, o mês de setembro de 2024 foi marcado por uma temporada intensa de queimadas, que afetam drasticamente os biomas da Amazônia e do Cerrado e se alastram rapidamente, dado o contexto de solo e vegetação extremamente secos.

Causas e consequências das queimadas

Esses incêndios são muitas vezes causados por atividades humanas, iniciados de maneira intencional e criminosa, para complementar a ação de derrubada e desmatamento de terras, ou por atitudes irresponsáveis, como jogar bitucas de cigarro em vegetação ou colocar fogo em lixo. Existem queimadas espontâneas e naturais em climas menos úmidos que o bioma amazônico. No Cerrado, é possível que se inicie por fatores naturais, como atrito de galhos secos ou rochas, descargas elétricas e outras condições que podem ocasionar combustão espontânea.

No Brasil, foram contabilizados mais de 80 mil focos de queimadas em setembro, 30% acima da média histórica. Desde o início do ano, foram registrados quase 210 mil focos. Para se ter uma ideia, o ano de maior registro é o de 2010, com quase 320 mil focos de incêndios florestais, segundo dados do Programa Queimadas do INPE. As queimadas foram registradas no Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Pará, atingindo também a região Sudeste com crescimento significativo dos focos em São Paulo e Rio de Janeiro.

Os rios voadores, ao carregarem a umidade amazônica para o Centro-Oeste brasileiro, trouxeram também fumaça e material particulado dos incêndios florestais, somados às queimadas do Sudeste, comprometendo significativamente a qualidade do ar nas principais metrópoles do país. São Paulo liderou o ranking IQAir por diversos dias consecutivos, mostrando que a elevação drástica dos focos de incêndio compromete não só a biodiversidade e a qualidade do ar local, como também afetam a saúde pública de cidades muito distantes dos focos de incêndio.

Segundo o IPAM, em termos de emissão, as queimadas recentes representam 32 milhões de toneladas de CO2, montante equivalente a um ano de emissões de um país como a Noruega. Vale destacar que o principal impacto climático das queimadas não é a fumaça, fuligem ou emissão do momento do fogo em si, mas essas árvores, quando morrem, continuam emitindo CO2 com um efeito tardio por mais 5 a 10 anos.  Essas florestas, quando em pé, deveriam capturar CO2 da atmosfera ao longo de séculos e, com o incêndio, se tornam emissoras de gases de efeito estufa.

Impactos na infraestrutura de energia

Além dos efeitos climáticos graves, são muito relevantes os impactos nas linhas de transmissão e de distribuição. Entre agosto e setembro, diversas infraestruturas do setor elétrico ficaram comprometidas e inviabilizaram a operação convencional do SIN. Foram contabilizadas pelo menos 17 unidades consumidoras no Acre com queda de energia por conta dos incêndios na região Norte. O fogo e o calor comprometem cabos condutores, danificam torres, postes e equipamentos no geral. No final de agosto, além do Acre, houve interrupção do suprimento também em Rondônia, com acionamento de mecanismos de segurança e bloqueio automático, levando ao desligamento das UHEs Santo Antônio e Jirau. Houve uma perda de potência de quase 1 GW e a desconexão do Acre e Rondônia do SIN. As causas desse apagão estão sendo investigadas, mas há fortes indícios que estejam relacionadas às fortes queimadas na região.

O subsistema Sudeste também foi impactado. No início desse mês, por conta do desligamento de uma linha de transmissão da Eletrobras, afetada pelas queimadas, a usina nuclear Angra 1 precisou reduzir sua potência, passando de 642 MW para 22 MW, normalizando novamente 24h depois.

Como se já não bastassem os desafios inerentes à operação do SIN, de gestão dos recursos hídricos diante da seca mais severa da história, de atendimento à demanda de ponta e de manejo da flexibilidade operativa frente a inserção massiva de renováveis, é preciso que o sistema seja resiliente a incêndios florestais e que os critérios de segurança do suprimento considerem queimadas, que são facilmente escaláveis em um contexto de mudanças climáticas e eventos extremos de secas e estiagens mais intensificados.