Escrito por João Paulo Silva

A perspectiva de o país virar “a Arábia Saudita do hidrogênio verde” anima o nosso setor de energia com a promessa de desenvolvimento, no médio prazo, de hubs de exportação em diversos portos do país. Nesse contexto, é importante entender o conceito de eletrólise da água, processo responsável pela produção deste hidrogênio, e o que são os eletrolisadores.

Eletrolisadores e eletrólise de água não são algo novo. De forma resumida, é um processo de quebra da molécula de água fazendo uso intensivo de energia elétrica para a produção dos gases hidrogênio (H2) e oxigênio (O2). Entrando no detalhe técnico, a corrente elétrica é aplicada em um circuito de corrente contínua que contém dois eletrodos: um catodo (carregado negativamente, lado negativo) e um anodo (carregado positivamente, lado positivo). O lado positivo atrai componentes negativas e vice-versa. Os dois eletrodos compartilham um meio condutor de íons (átomos negativamente ou positivamente carregados), chamado de eletrólito.

Eletrodos (catodo e anodo), íons e eletrólitos. Esses são os principais conceitos para compreender o desempenho de um eletrolisador. A principal ideia para este entendimento é que em um eletrolisador entram água e energia elétrica e saem, em estado gasoso, oxigênio produzido no anodo, e hidrogênio produzido no catodo:

H2O + Eletricidade → H2 + ½ O2

O tipo de tecnologia do eletrolisador definirá:

  • se a água entra pelo lado do catodo ou do anodo;
  • qual íon se move de um eletrodo para o outro;
  • qual será o eletrólito por onde o íon “caminha”;
  • quais reações intermediárias de oxidação e redução serão necessárias.

Existem eletrolisadores de baixa temperatura (processo ocorre entre 20°C e 90°C) que já estão em estado de desenvolvimento e grau de maturidade avançados. Por outro lado,  existem eletrolisadores de alta temperatura (processo ocorre entre 500°C a 1.000°C), que estão saindo da etapa final de P&D e ganhando escala para a comercialização.

ELETROLISADORES ALCALINOS

O primeiro tipo de eletrolisador a ser introduzido em escala industrial foi o eletrolisador alcalino, que era o principal método de obtenção de hidrogênio para fins industriais. Depois disso, o método de reforma a vapor do gás natural (hidrogênio cinza) se tornou o padrão da indústria. O eletrólito, ou seja, meio por onde os íons vão se movimentar, é uma solução alcalina, como o hidróxido de potássio, que é misturada com a água. Devido ao seu estágio de maturidade, esse tipo de tecnologia tende a apresentar custos inferiores quando comparados a outras tecnologias de eletrolisação. O uso de componentes metálicos com considerável disponibilidade, como níquel e aço, justifica esse fato. Um ponto negativo é a necessidade de sistemas de reciclagem e tratamento dessa solução alcalina que atua como eletrólito dentro do eletrolisador e o potencial de mistura entre os gases resultantes, gerando gás de hidrogênio com graus de pureza que podem carecer de tratamentos adicionais.

ELETROLISADORES DE MEMBRANA DE TROCA DE PROTONS (PEM- Proton exchange membrane)

Eletrolisadores de membrana de troca de prótons, ou PEMs (Proton exchange membrane), alcançaram maturidade comercial recentemente com projetos de larga escala em estágio de implantação. Sua origem é geralmente associada à corrida espacial nos anos 60 e à General Electrics nos anos 70. De lá para cá, a tecnologia foi lentamente evoluindo até atingir um grau de viabilidade econômica nos últimos anos. A grande diferença em relação ao eletrolisador alcalino é que, neste caso, o eletrólito é uma membrana que fica entre os eletrodos, que só permite a passagem dos prótons H+. Dessa forma, não é necessário o uso de soluções alcalinas como óxido de potássio e nem de sistemas de recuperação e reciclagem dessa substância. Em outras palavras, a eletrólise pode ocorrer somente com água pura e energia elétrica.

Os eletrolisadores PEMs tendem a ser mais compactos e modulares, o que os tornam ideais para operações descentralizadas. Além disso, graças a essa característica do seu design, eles tendem a possuir uma densidade energética superior a eletrolisadores alcalinos e podem produzir hidrogênio em altas pressões com menor risco de misturas de gás de saída (H2 e O2). Assim, geram hidrogênio com maior grau de pureza. Outro fator interessante é que esse tipo de eletrolisador pode suportar inputs de energia elétrica superiores à sua potência nominal, por certos períodos, e tem flexibilidade para operar em diferentes faixas de produção, o que faz com que ele apresente sinergias com a geração elétrica a partir de fontes intermitentes.

Em contrapartida, PEMs tendem a apresentar valores de investimentos mais elevados, devido à necessidade de metais nobres para os seus eletrodos, como platina e irídio, entre outras componentes mais custosas, como a membrana de troca de prótons. Eles também apresentam uma eficiência que tende a ser inferior e uma curva de degradação maior, quando comparados aos eletrolisadores alcalinos.

ELETROLISADORES DE ÓXIDOS SÓLIDOS (SOEC – Solid Oxide Electrolyzer Cell)

No campo de eletrolisadores de alta temperatura, os SOECs estão saindo da fase de P&D e tentando conquistar o status de economicidade para comercialização. Nesta tecnologia, o eletrólito é uma cerâmica sólida e a água entra como vapor em alta temperatura para o processo de quebra. Os SOECs possuem uma eficiência superior aos eletrolisadores de baixa temperatura e exigem materiais mais abundantes e com custos inferiores aos PEMs.

Todavia, existem desafios relacionados ao design e à rápida degradação da cerâmica por altas temperaturas operativas a serem superados. Outro desafio dessa tecnologia é a necessidade de calor em si para obtenção do vapor d’agua.

O primeiro obstáculo, relacionado ao design e à degradação da cerâmica com o calor, está sendo endereçado com a busca de materiais e designs que possibilitem uma geração com temperaturas menores (de 800°C para 500°C, por exemplo), para atenuar o efeito da degradação.

O segundo desafio, relacionado à necessidade de calor para geração do vapor, pode ser endereçado com sinergias com processos exotérmicos paralelos que podem ocorrer próximos dos eletrolisadores, como, por exemplo, a origem da geração de energia elétrica. Fenômenos a jusante também pode fornecer calor para o eletrolisador, como os de produção de e-fuels a partir do hidrogênio gerado.

Um ponto interessante que difere os SOECs dos eletrolisadores de baixa temperatura é que eles podem agir “em modo reverso”, podendo se transformar em momentos de necessidade elétrica em uma célula de hidrogênio, consumindo o H2 e o oxigênio para gerar energia. Combinado a um método de armazenagem, seja comprimido, liquefeito ou a partir de combustíveis derivados (e-amonia, e-metanol, etc), um complexo com um SOEC pode virar um ativo energético “completo”, multifuncional e altamente flexível.

Existem outras tecnologias de eletrolisadores em fase de desenvolvimento de forma acelerada, tanto de alta temperatura, quanto de baixa temperatura, que é o caso da membrana de troca de ânios, tema que será abordado em outra oportunidade.