A 26ª Conferência das Partes da Convenção do Clima em Glasgow, também conhecida como COP 26, teve a participação de 197 países ou Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC na sigla em inglês) entre os dias 31 de outubro e 13 de novembro em Glasgow, no Reino Unido.

A reunião, que ocorre anualmente, teve resultados que podem ser classificados em 3 categorias:

  • Na primeira, temos a finalização da regulamentação do Acordo de Paris, um conjunto de decisões que vinham sendo discutidas e negociadas ao longo dos anos. É o caso do Artigo 6, o mecanismo de mercado que poderá ser utilizado para ajudar os países a atingirem suas metas nacionais, que foi finalizado na COP26.
  • Na segunda categoria de resultados, temos o chamado Pacto de Glasgow, um conjunto de decisões que foram propostas pelo Presidente da COP, Sr. Alok Sharma. Do Pacto, não constam questões técnicas nem detalhadas, mas sim decisões políticas costuradas no nível ministerial e acordadas por todos os países.
  • Por fim, mas não menos importante, a reunião de Glasgow serviu para que líderes mundiais propusessem acordos bilaterais ou fizessem declarações conjuntas manifestando diversos compromissos. É o caso da declaração conjunta dos Estados Unidos e China para aumentar a Ação Climática. Esse terceiro tipo de resultado, apesar da relevância, não tem nenhuma conexão com o processo multilateral da Convenção do Clima no âmbito da ONU propriamente dito, mas sem dúvida é o motor político que empurra ou freia a agenda.

O Pacto de Glasgow pelo Clima

O Pacto de Glasgow pelo Clima equilibra e dá direção política a todos os aspectos relevantes da negociação, ou seja, mitigação, adaptação, financiamento e perdas e danos:

  • O Pacto reforça o papel da ciência e pede urgência para as ações;
  • ressalta a importância dos planos de adaptação e a necessidade de financeiro para os países em desenvolvimento;
  • aponta a urgência de que os países desenvolvidos cheguem logo e ultrapassem os 100 bilhões de dólares anuais em ajuda para os países em desenvolvimento;
  • aponta 1,5ºC como o limite de aumento de temperatura a ser perseguido, mas sinaliza que um limite mais baixo limite implica num custo maior.

No entanto o mais impactante foi a menção explícita à necessidade de se reduzir gradualmente a geração de eletricidade a partir de carvão, assim como a eliminação progressiva de subsídios a combustíveis fósseis ineficientes. Originalmente, propôs-se uma “eliminação gradual” do carvão[1] , mas o texto final foi alterado no último minuto por exigência da Índia, para “redução gradual”. A palavra “ineficiente” também foi cuidadosamente selecionada, para que países como Irã e Venezuela pudessem garantir a qualidade de vida de suas populações, dado a dependência de suas economias dos recursos fósseis.

O Pacto também pretende fortalecer ações para proteção dos oceanos e criou o Diálogos de Glasgow sobre Perdas e Danos, a ser convocado entre 2022 e 2024. As discussões sobre perdas e danos, ou seja, impactos irreversíveis aos quais é difícil de se adaptar, é um tema urgente, especialmente para os pequenos estados insulares, que estão mais vulneráveis à elevação do nível do mar. Ano que vem, no Egito, os temas relacionados a perdas e danos e adaptação serão o foco das decisões a serem tomadas durante a COP 27.

Outro aspecto importante foi a chamada para países desenvolvidos dobrarem seu financiamento de adaptação até 2020. O financiamento de medidas adaptativas é extremamente relevante para que os países mais vulneráveis possam traçar estratégias para uma transição energética justa, seja através do desenvolvimento de infraestrutura, capacitação ou construção de resiliência.

Países desenvolvidos não conseguiriam cumprir a meta de financiamento de US$ 100 bilhões por ano até 2020 e admitiram que provavelmente não a alcançariam antes de 2023. Para os países em desenvolvimento e os mais vulneráveis em particular, o acesso aos montantes já arrecadados requer longos processos burocráticos. Apesar dos desafios, foram contabilizados US$ 800 milhões em promessas para adaptação durante todo o evento e contribuições ao Fundo de Adaptação foram feitas pelos EUA, Canadá e Suíça.

Como ficam as NDCs?

Países que ainda não atualizaram suas NDCs devem o fazer antes da próxima conferência. Segundo o Earth Negotiations Bulletin, antes do evento, 153 países (49% das emissões globais) já haviam atualizado seus documentos. Contudo, o Relatório Síntese de NDCs indicou que, mesmo com as atualizações, até 2100 poderia ser atingido um aumento de 2,7°C, quando a expectativa é manter esse aumento médio até 1,5°C, ou no máximo 2º.C.

Durante a COP, houve submissões de novas NDCs e promessas de emissões líquidas zero: a Índia se comprometeu a atingir essa meta até 2070 e o Brasil também formalizou sua promessa até 2050. Até agora, os países que afirmam metas de emissão líquidas zero, seja através de leis ou compromissos políticos, cobrem mais de 70% das emissões globais de gases de efeito estufa.

A International Energy Agency estima que esses novos compromissos podem levar a um aquecimento de 1,8°C a 2,4°C em 2100, se de fato forem cumpridos integralmente. Vale ressaltar também que compromissos de curto prazos foram menos ambiciosos e, na verdade, muitos países do G20, por exemplo, seguem trajetórias pouco condizentes com suas metas de longo prazo de net zero. No momento, se todas as ações prometidas forem atingidas, o aumento de temperatura em 2100 será de 2,1°C.

 

Novas parcerias

Novas parcerias também foram criadas, como a Declaração de Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra, assinada por 120 países com o propósito de reverter perda e degradação florestal até 2030 e de apoiar fundos públicos para conservação. A proteção das florestas e o combate ao desmatamento é imprescindível, especialmente devido à capacidade de as florestas absorverem gases de efeito estufa da atmosfera.

A Promessa Global de Metano, assinada por 100 países, também foi firmada, com o objetivo de reduzir as emissões globais de metano em 20% até 2030, em relação a 2020. A Promessa cobre aproximadamente metade das emissões globais do gás e 70% do PIB global, segundo a WRI Brasil. Mais da metade dos 20 maiores produtores de metano se comprometeram, contudo Rússia, China e Índia não assinaram. O Brasil assinou os dois compromissos.

E o famoso Artigo 6?

Um dos resultados mais esperados da COP 26 foi a regulamentação do Artigo 6 do Acordo de Paris, a peça final que faltava para completar o documento, após seis anos de debates. Pode-se dizer que as regras gerais para transações de reduções de emissões entre países (Art. 6.2 referente aos Resultados de Mitigação Comercializados Internacionalmente, ou ITMOs, na sigla em inglês) ou de projetos que envolvem entidades públicas e privadas (Art. 6.4) foram definidas.

Esses dois artigos foram regulamentados, o que significa que todas as definições do que podem conter ou não, das condições de participação, das regras de contabilidade, registros, regras de transações, emissões, cancelamento e outros, foram definidas. Um dos temas mais relevantes, a questão dos ajustes correspondentes, regra pela qual se garante que não haja dupla contagem das reduções de emissões, foi resolvido satisfatoriamente e está garantido que um país, ao vender seus resultados de mitigação para um outro país, não contará duas vezes a mesma redução de emissões.

No Art. 6.4 é que estão desenhadas as regras de participação das empresas no mercado de carbono regulamentado pela UNFCCC. Ele será o sucessor dos mecanismos de Implementação Conjunta e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto, mas não se restringe a isso. Também ficou definida em 5% a taxa sobre as transações, o chamado share of proceeds,  que vai para o fundo de adaptação que apoia ações de adaptação nos países em desenvolvimento. De forma inovadora, foi estabelecido que 2% dos créditos comercializados serão cancelados automaticamente, de modo a aumentar a redução global das emissões. Em breve, faremos uma postagem exclusivamente sobre o Artigo 6 onde poderemos aprofundar alguns aspectos relevantes.

É importante ressaltar que essas diretrizes não se aplicam aos mercados voluntários, cujas transações não serão contabilizadas para fins de atendimento às NDCs, evitando processos longos e burocráticos. No entanto, essas definições devem impulsionar o mercado voluntário, que aguardava respostas em relação à necessidade de contabilização nacional das reduções.

Afinal, os créditos de MDL poderão migrar?

Durante o evento, os critérios para migração dos créditos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), do Protocolo de Quioto, foram definidos: eles precisam ter sido apurados entre 2013 e 2020 e poderão ser utilizados até 2030. Algumas partes não se mostraram satisfeitas, por questionarem sua qualidade.

Entretanto, os créditos enquadrados são em volume muito menor que a enorme demanda projetada por novos créditos. Embora essa regulamentação represente uma grande oportunidade para o Brasil, é necessário que nosso mercado regulado nacional seja definido, avaliando com cuidado as variáveis relevantes como a credibilidade do sistema de mercado de carbono, a integridade ambiental, que significa basicamente não haver dupla contagem, mas também as implicações em termos de impacto nas comunidades indígenas e tradicionais.

Setor empresarial na COP 26

O setor empresarial teve forte presença neste evento e possui papel fundamental no direcionamento de investimentos. Há compromissos de eliminação de desmatamento de carteiras de investimentos e apoio a comunidades indígenas e tradicionais, o que incentiva que empresas levem em conta essas questões durante as tomadas de decisão. A GFANZ, Aliança Financeira de Glasgow por Emissões Líquidas Zero, criada no início deste ano, já juntou mais de US $ 130 trilhões em ativos. Mesmo assim, hoje, ainda se direciona mais investimentos para combustíveis fósseis do que para proteção climática.

Qual o saldo final da COP 26?

De modo geral, muitos representantes se mostraram desapontados com os resultados do evento, como sempre acontece nos finais das COPs. O processo multilateral é lento e representa uma decisão onde quase 200 países têm de concordar, ou pelo menos não discordar. A realidade é que muitos avanços foram conquistados, a regulamentação do Acordo de Paris foi finalizada, as regras de mercado e transparência estabelecidas, sinalizações importantes para compatibilizar ações de curto, médio e longo prazos e finalmente temos regras claras de como avançar o processo de descarbonização.

[1] “unabated coal power” é a geração a partir do carvão mineral que não foi neutralizada por captura de carbono.